
Neste 23 de Abril, Dia Mundial do Livro, nada mais apropriado que uma ode aquele que para muitos é o alimento da alma, uma das principais fontes do conhecimento. Ler faz bem. Infelizmente, nós, brasileiros, ainda estamos longe de um hábito freqüente de leitura, ora pelo preço do livro ora pela falta de incentivo, ou os dois. Segundo a Associação Internacional de Leitura Conselho Brasil Sul, enquanto o brasileiro lê em média um livro por ano, os chilenos, uruguaios e argentinos lêem quatro. Reproduzo aqui um poema do poeta chileno Pablo Neruda para celebrar a data
Ode ao Livro
Livro, quando te fecho
abro a vida.
Ouço
entrecortados gritos
nos portos.
Os lingotes de cobre
atravessam os areais,
descem para Tocopilla.
É de noite.
Entre as ilhas
o nosso mar
palpita com seus peixes.
Toca nos pés, nas coxas,
nas costelas calcárias
da minha pátria.
Toda a noite se atira contra a praia
e com a luz do dia
amanhece cantando
como se despertasse uma viola.
Por mim chama o bater
deste mar. Por mim
o vento chama,
e chama-se Rodríguez,
José António,
recebi um telegrama
do Sindicato «Mina»
e aquela que eu amo
(não lhes direi seu nome)
espera-me em Bucalemu.
Livro, tu não conseguiste
embrulhar-me em papel,
não me encheste,
de tipografia,
de impressões celestes,
não conseguiste
encadernar-me os olhos,
saio de ti pra cobrir o arvoredo
com rouca família do meu canto,
trabalhar metais incandescentes
ou comer carne assada
junto à fogueira nos montes.
Amo os livros
exploradores,
livros com bosque ou neve,
profundidade ou céu,
enquanto
odeio
o livro aranha
onde o pensamento
foi dispondo arame venenoso
para que ali se enrede
a juvenil e circundante mosca.
Livro, deixa-me livre.
Eu não quero andar vestido
de volume,
não venho de um tomo,
os meus poemas,
não comeram poemas,
devoram
apaixonados acontecimentos,
nutrem-se de intempéries,
retiram alimento
da terra e dos homens.
Livro, deixa-me andar pelos caminhos
com poeira nos sapatos
e sem mitologia:
volta à tua biblioteca,
eu vou por essas ruas.
Aprendi a vida
da vida,
aprendi o amor com um só beijo,
e não pude ensinar nada a ninguém
senão quando vivi,
o que tive em comum com outros homens,
o que lutei com eles:
o que exprimi de todos no meu canto.
(Pablo Neruda)