
O ex-deputado federal Haroldo Lima, morto por Covid ontem, em Salvador, aos 81 anos, vai deixar saudades, pois era um homem que representava o sentimento de amor ao próximo, segundo os amigos mais íntimos. Mas, acima de tudo era um democrata, amante da liberdade. Ex militante histórico do Partido Comunista do Brasil, engenheiro de formação, Haroldo foi figura fundamental na luta contra a ditadura militar, sobrevivendo à Chacina da Lapa em São Paulo, onde morreram outros militantes do PCdoB, à época na ilegalidade. Em casos raros hoje em dia, Haroldo era admirado por políticos dos mais diversos espectros ideológicos, sua palavra sempre provocava respeito e reverência. Numa homenagem ao amigo, o artista visual baiano Carlínio de França escreveu um texto e o compartilhou no Facebook. Num dos trechos da homenagem, também publicada no site “Jornalistas Livres”, França escreve:
“Desde nosso primeiro contato fiquei marcado por sua capacidade intelectual e pelos seus discursos empolgantes e didáticos, ricos de citações históricas e também pelo seu aspecto físico: um homem que havia saído das prisões e torturas e vítima de um grave acidente automobilístico, com uma lente do óculos tapada, parecia realmente perigoso para os golpistas, e ter a força de um gigante, pelo tom de sua fala e pelo poder do seu nome de origem nórdica, que significa “comandante do exército”. Perfeito!
E a cada dia, essa percepção aumentava à medida que, não só o enfrentamento à ditatura, mas, principalmente ao “carlismo”, Haroldo Lima se impunha como liderança inconteste do campo da esquerda revolucionária e não articuladora do PT. A frase “O homem que ACM não gosta”, foi manchete nos diários quando o governador o comparou a um dirigente do PCB baiano, (isso ajudou a sua eleição a deputado federal constituinte), como troco, Haroldão retrucou: “ACM, o lambe botas dos generais”, quem esquece isso?
Em1987/8, lá vai nosso amigo brilhar na Constituinte, com amplitude, coragem e grande capacidade de articulação, cinco vezes eleito, e eu, atuando como designer de suas campanhas. Ele ia com Solange às minhas exposições, incentivava o artista iniciante, adquiria obras, divulgava os novos talentos.Nosso contato mais marcante foi quando os trabalhadores da empresa pública Coelba, por iniciativa de Marcelo Barreto, fizeram uma homenagem por seu aniversário e ele revelou em primeira mão a descoberta do Pré-Sal. Seus olhos brilhavam à medida que elencava os benefícios que se descortinavam para o país, e da sua cabeça de engenheiro, os números e os dados astronômicos dessa riqueza do nosso mar profundo e a genialidade da Petrobras. Durante o processo golpista que derrubou Dilma, articulamos uma entrevista quando vazou uma informação sobre uma articulação militar, eu fazia parte dos Jornalistas Livres, com Ernesto Marques, Walter Takemoto e Júlio Fischerman, nesta gravação precária e ainda inédita. Ficou evidente o patriota orgulhoso dos feitos no país a partir do Tenentismo, da industrialização, dos investimentos em pesquisa em ciência e tecnologia, do apoio à campanha “O Petróleo é Nosso”, não havia rancor algum no homem que foi barbaramente torturado, “A dialética é complexa, baixinho” dizia ele sempre. De maneira carinhosa.
Certa vez, em um encontro na sede do partido, onde estavam presentes Lídice da Mata, Javier Alfaya e Luiz Nova, discutimos quem seria o maior poeta da revolução, ele discordou de todos nós, que amávamos Vladimir Maiakovski, e meteu uma tese sobre Bertold Brecht, declamando um poema favorito.
Anos depois, tomamos um chop e ele me falou sobre sua luta para transformar os “poços maduros” em atividade produtiva visando beneficiar um número enorme de pequenos e médios industriais, para isso, enviou um jornalista aos EUA e dessa pesquisa deixou como legado na ANP um livro com farta documentação. “Nos Estados Unidos, se extrai petróleo nas calçadas das metrópoles, nos milharais nos quintais. “Tenho tudo documentado em um livro bem grosso, baixinho”, disse ele.
Perdemos o Pré-Sal, os militares de hoje não se equiparam aos que ele se referia na entrevista com distanciamento emocional e crítico. Estaria vibrando com o desfecho de ontem no STF, havia tomado a primeira dose da vacina contra esse vírus maldito, que pena, tenho certeza que em 2022 seria uma das vozes mais altaneiras do centenário do partido.
Um pouco antes da quarentena, encontrei o amigo tomando um açaí no bairro da Graça em companhia de uma das netas. Rolou um papo massa, como sempre acontecia, e um abraço forte. Essa é a imagem que vou guardar de Haroldo. Mais à frente, em algum outro momento mais seguro para todos, faremos uma grande e merecida homenagem pela pessoa humana e pelo homem público que foi. Quando pudermos nos abraçar, em breve, faremos ecoar juntos o nosso: Haroldo Lima, presente!”