
Por Uallace Moreira (*)
Trabalho precarizado, média de jornadas de trabalho de 12 horas por dia e ganhos de menos de um salário mínimo por mês. Esse é o novo mundo do trabalho, a nova realidade brasileira. Exemplo: Formado em marketing, Claudio Francisco de Carvalho Junior, diz: “Nesse ramo, almoçar é raridade”. “Agora, jantar? Só Deus sabe quando o entregador vai parar à noite para comer”. “Tem lugar que não dá um copo de água”. Essa realidade do trabalhador brasileiro de aplicativo é o “novo normal”. Jovens, pai e mãe de famílias, idosos, enfim, inúmeras pessoas que se submetem às mais precárias condições de trabalho, para ganhar uma miséria que mal consegue pagar a própria alimentacao, quiçá ter qualidade de vida. O curioso é que, mesmo diante desse elevado nível de precarização das condições de trabalho, os “defensores do mercado”, como Paulo Guedes e os “experts” da Faria Lima, defendem veementemente que essa é a melhor forma de organização do mercado de trabalho. É o velho discurso da meritocracia, e “empreendedorismo”. Para quem quiser conhecer um pouco da realidade das condições dos trabalhadores de aplicativo, vale conhecer a pesquisa do Professor Vitor Filgueiras, da UFBA, membro do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). Para 76,7% dos respondentes da pesquisa, a atividade de entrega por aplicativo é sua ocupação principal, o que deixa em evidência mais ainda as condições de vulnerabilidade dos trabalhadores de aplicativos por depender dessa atividade como fonte de sobrevivência. Sobre a quantidade de dias de trabalho por semana, 70,5% trabalha 6 ou 7 dias por semana. Ou seja, praticamente, todos os dias da semana, levando esses trabalhadores a condições exaustivas de trabalho, sem o direito de lazer com seus familiares. Sobre o tempo de jornada de trabalho, 68,5% trabalham 9 ou mais horas/dia. Os motociclistas entregadores por aplicativo participantes da pesquisa trabalham uma média de 53,8 horas semanais. Já os bikers respondentes trabalham, trabalham 57,8 horas por semana. Estes parâmetros sofrem variações mais significativas quando são focalizados os dados dos entregadores que têm neste trabalho a única fonte de renda:
a) Trabalham média 10,4 horas/dia.
b) Trabalham 6,2 dias por semana.
Resultado:
c) Totalizam uma jornada 64,5 horas semanais, ou seja, 20,5 horas a mais que jornada semanal recomendada pela legislação trabalhista do país, em trabalho que, já em condições normais, guarda grande risco de acidente.
Dentre estes que só trabalham com entregas por aplicativos, aqueles que utilizam moto:
a) Trabalham em média 10,7 horas/dia.
b) 6,3 dias/semana.
c) Perfazem uma jornada semanal de 66,9 horas, ou seja, uma jornada semanal mais de 50% acima da estabelecida como normal pela CLT.
As condições de trabalho dos entregadores de bikers com renda oriunda exclusivamente deste trabalho:
a) Trabalham em média 9,8 horas/dia.
b) Trabalham 6 dias/semana.
c) Totalizando jornada de 59,2 horas semanais.
Na comparação entre os rendimentos antes e durante a pandemia dos trabalhadores de aplicativos, verificou-se:
Antes da pandemia:
a) 31,2% dos rendimentos eram menores que o salário mínimo;
Durante a pandemia:
b) 47,9% dos rendimentos são menores que o salário mínimo.
Segundo o levantamento realizado, quase a metade dos entregadores:
a) Ganha menos que 1 salário mínimo ao final do mês, sem quaisquer outros direitos que o trabalhador com a Carteira assinada tem (férias, FGTS, décimo terceiro, etc.).
A respeito do suporte prestado pela empresa no caso de acidentes:
a) Apenas 6,6% dos entrevistados receberam assistência da empresa.
b) 63,9% não foram assistidos de nenhuma forma pela empresa.
c) 8,2% foram bloqueados após o incidente.
(*) É professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Ciências Econômicas, tem mestrado e doutorado em Desenvolvimento Econômico. Foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pesquisador visitante do Korea Institute for International Economic Policy (KIEP) e pesquisador convidado Russian Institute for Strategic Studies (RISS).