
Nem bem começou, a desavença entre lulistas e ciristas parece não ter data para um ponto final, ainda mais porque é retroalimentada pelas redes sociais. Neste texto, o historiador Alberto Imbiriba descreve o que, para ele, são as diferenças entre Lula e Ciro Gomes. Aqui, ele responde às acusações de que o pedetista é um político de direita, especialmente por estar buscando uma aliança com setores da centro-esquerda, centro e da centro-direita. Leia na íntegra:
“O discurso amplamente defendido pela militância lulista que Ciro Gomes seria de direita, pelo tradicionalismo e longevidade da sua aliança eleitoral no Ceará, tem o seu pé no xenofobismo que o nordeste ainda possui coronéis no poder, e que o povo nordestino ainda vota de acordo com a velha política do cabresto. Essa ideia contrasta com os avanços que o nordeste alcançou nas últimas décadas durante os próprios governos petistas de Lula e Dilma.
Mas é preciso refletir: Ciro é mesmo de direita? Fazendo uma comparação entre os programas defendidos por Ciro Gomes e Lula, a resposta está mais clara que uma tarde de verão e a luz difusa de um abajur lilás. Os “sinais” que Lula envia ao mercado via imprensa resgatam uma política econômica que mantem o sistema bancário sob o domínio de meia dúzia de famílias brasileiras, amplamente mantido nos governos petistas. Mas que muito duramente é criticado por Ciro Gomes, que propõe impostos progressivos, ou seja, quem tem mais paga mais de acordo com a proporcionalidade de sua renda ou lucro de suas empresas. Hoje os pobres pagam mais impostos que os 5% mais ricos e a classe media paga uma carga tributária gigantesca frente aos milionários e bilionários brasileiros.
Essas contradições nas análises do Brasil real não são aleatórias. Enquanto Lula quer manter um velho acordo de não mexer com as elites para dar para os pobres, Ciro quer chamar todos para contribuir progressivamente na modernização e avanço do país. Taxar lucros e dividendos, cobrar impostos sobre heranças, e aberturas econômicas diversificando a economia.
Lula também propõe, em entrevista com Reinaldo Azevedo, de tornar empresas estatais brasileiras em empresas de economia mista, com presença do setor privado e público, enquanto Ciro propõe rever todas as privatizações dos últimos anos, sobretudo de empresas consideradas estratégicas para a nação, da BR distribuidoras até a futura venda da Eletrobrás passando por todo o setor que garanta a soberania nacional. Essa agenda econômica defendida por Marcos Lisboa e por Joaquim Levy, que já foi ministro de Dilma no passado, entrega as riquezas nacionais para o estrangeiro e para o rentismo internacional. Além desse ser um programa econômico altamente liberal, que vai contra tudo que as esquerdas modernas e tradicionais defendem, além de essa ideia neoliberal de bem estar social não dar certo em nenhum lugar do mundo, inclusive no Brasil recentemente.
Ciro foi o único quadro progressista a sempre defender taxar ricos, e contribuir com uma forte agenda de industrialização estratégica nacional. Defendendo um protecionismo estratégico do Estado em áreas sensíveis do desenvolvimento e em setores estratégicos da nação, como toda grande nação desenvolvida faz e deve fazer na recuperação econômica no pós pandemia. Para isso se precisa gastar e com o teto de gastos posto pelo governo Temer que impede o governo de gastar em nome de uma austeridade com cara de diminuição brusca do estado, Ciro defende a revogação desse teto nos primeiros dias de seu governo, enquanto nenhuma palavra de Lula ou do partido dos trabalhadores.
Essa contradição do discurso de Lula em representar a esquerda com uma agenda econômica liberal, não é algo aleatório. Representa uma série de contradições da própria esquerda no Brasil, que abandonou movimentos sociais legítimos, se afastou dos trabalhadores e se afastou do que tradicionalmente pertencia à agenda de esquerda, sem que esses problemas fossem sanados. Mas acreditar que Lula vai fazer diferente no futuro aquilo que não faz no passado, sem aprendizado e autocrítica, é a mesma coisa que acreditar que Biden representa a esquerda e não o imperialismo tradicional americano.
A insistência em criticar Ciro por querer formar uma aliança com partidos de centro-esquerda, centro e centro-direita, tirando sua legitimidade de construir o debate político em torno daquilo que propõe, mesmo o PT tendo feito isso no passado e querendo fazer o mesmo no presente, é de um caudilho e prepotência únicos. Diferentemente do que foi construído pelo PT no passado, Ciro quer partidos, pessoas, grupos que componham uma grande aliança nacional em torno do seu projeto nacional de desenvolvimento, que sempre foi defendido pelos trabalhistas historicamente.
Chamar Ciro de direita quando apresenta um programa de governo mais progressista, mais protecionista que o PT, é dar voz à ignorância empobrecida que constrói muros em vez de pontes. Ciro tem um programa nacionalista, que defende a soberania nacional e a emancipação do povo e dar a direita as pautas históricas da esquerda. É preciso reconhecer que o programa que Lula apresenta hoje tem políticas definitivamente liberais, e que os próprios economistas com quem se consulta pautam politicas liberais.
Não que Ciro apresente um programa marxista ou socialista, mas Ciro apresenta um programa trabalhista, e o trabalhismo brasileiro é de esquerda, além de ser o caminho brasileiro para o socialismo. A resposta para a pergunta se Ciro é de direita é que é tanto o quanto Lula é marxista e socialista, ou seja, nada. Jogar Ciro e PDT para a direita é estratégia antiga, já foi feito com Brizola, mas ela tem um objetivo claro de retirar o PDT e Ciro do campo popular. Mas, não o podem porque o programa de Ciro põe o povo e nação no centro de tudo, e nada mais de esquerda que isso. Mas nosso objetivo agora é derrotar Bolsonaro e ajudar o Brasil a se recuperar dessa crise, não entrar nesse debate polarizante entre coxinhas e mortadelas, em vez disso escolhemos o Brasil e seu povo.
Por Alberto Imbiriba